Ensaio de Orquestra é aparentemente uma reportagem que deliberadamente se apresenta enquanto tal. Numa vasta sala, entre a catacumba e a sacristia de uma igreja despida, de paredes nuas e chão de pedra (nalguns casos de pedra tumular), uma orquestra, vai ensaiar. Uma equipa de televisão vem registar a chegada dos diferentes músicos, cada um portador de personalidades, de características diversificadas, cada um identificando-se com instrumento que toca e que procura defender e impor no conjunto da orquestra, fazendo ressaltar a sua especialidade e importância. Cada um trás um caso humano, que irá desenvolver à medida que se justifica

frente à máquina de filmar. que confessa fraquezas e

obsessões, que se "exibe", oferecendo uma imagem de si

diferente da real, ou despindo-se de máscaras e ofertando-se na nudez da sua simplicidade. O lugar comum mistura-se com a sinceridade mais cruel. A equipa de televisão. Ai arquivando imagens e despoletando a crise, influenciando o comportamento desse grupo de pessoas que têm uma tarefa a executar em conjunto, e que, todavia, vão resvalando lentamente para uma situação de confronto, de rebeldia, perante o director, que em breve conduzirá aos caos. Em "off", Fellini vai dirigindo a reportagem, com a desenvoltura aparente de um trabalho de televisão que evolui ao sabor do acaso, mas que contrariamente, se desenvolve segundo uma

ideia preconcebida, capaz de dela resultar a parábola de ressonâncias políticas e sociais.

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Lauro António, in Diário de Notícias, 18 Dezembro 1980